Uma visita aos vovozinhos do rock
A caminho dos 90 anos, Chuck Berry e Little Richard estão hoje entre os mais reconhecidos pioneiros do rock. Suas músicas, que vieram a público em meados dos anos 50, engordaram o repertório de bandas como os Beatles e os Rolling Stones. Este ano, Chuck foi agraciado com o Polar Music Prize, o Prêmio Nobel da Música. Recluso, Little Richard, com seu alto registro de voz, ainda inspira Paul McCartney. Os vovôs do rock permanecem jovens nas novas gerações, que os visitam sempre que lhes falta inspiração. Visitam também Buddy Holly, que morreu em 1959, aos 23 anos, e permaneceu menino para sempre.
Carlos de Oliveira
03 Outubro 2014 | 08h54
Saudades – Início dos anos 60. O bordão de um apresentador de rádio dizia que brotos também têm saudades. Em seguida, punha na vitrola um compacto simples. A música era bem marcada pelo piano, agitada, cantada por alguém de voz rascante, meio selvagem, quase um grito…ou um grito mesmo. Um certo Ricardinho, ou Little Richard, proclamava que todos iriam se divertir muito naquela noite e que tudo estava bem, bem demais. No dia seguinte, os brotos continuavam com saudades e a vitrola rolava a história de um rapaz caipira chamado Johnny B. Goode. O garoto podia ser iletrado, mas detonava na guitarra, garantia Chuck Berry. Hoje, aqueles adolescentes dos anos 60 já estão maduros, todos tiozinhos. Tiozinhos saudosos. Por isso, vez por outra, ou quase sempre, visitam os vovôs do rock. Sem eles, o sonho nem teria existido.
Charles Edward Anderson Berry, ou Chuck Berry, vai completar 87 anos neste 18 de outubro e está na ativa, cantando e tocando em shows ao vivo, com sua velha Gibson 345 de cor cereja. Aos 82 anos, Richard Wayne Penniman, ou Little Richard, está mais recluso desde que foi submetido a uma cirurgia nos quadris que chacoalhou por muitos anos. Ambos estão entre os pioneiros, ao lado de Buddy Holly, que no último dia 7 de setembro teria completado 78 anos, caso não tivesse morrido cedo demais, em um acidente aéreo, em 1959, aos 23 anos. Há muitos outros vovozinhos do rock, certamente. Bill Haley e seus Cometas e Jerry Lee Lewis estão entre eles. Mas hoje vamos ficar apenas nesses três, como se eles representassem os demais.
“Nobel” – No dia 26 de agosto deste ano, Chuck Berry foi agraciado com o Polar Music Prize, considerado o Prêmio Nobel da música, em Estocolmo, “por ter transformado a guitarra elétrica no principal instrumento do rock e por suas qualidades como compositor”. Pelo prêmio, ganhou o equivalente a US$ 169 mil. Entre os que já foram premiados estão Paul McCartney, Elton John, Joni Mitchell, Bruce Springsteen, Ray Charles, Stevie Wonder, Bob Dylan, B.B. King, Led Zeppelin, Pink Floyd, Peter Gabriel, Bjork, Paul Simon e Yo-Yo Ma. Muitos desses laureados foram e ainda são fãs de Chuck.
Então, é por esse caminho que iremos. Vamos conferir quem se espelhou em Chuck Berry, Little Richard e Buddy Holly e conquistaram o sucesso com suas músicas.
Beatles – No dia 22 de novembro de 1963, os Beatles lançavam With the Beatles, segundo álbum da banda. A primeira música do lado B do LP era Roll over Beethoven, de Chuck Berry. Coube a George Harrison “chamar” o riff de guitarra e cantá-la, num cover competente, nada comprometedor, mas sem a graça do original, lançado em 1956. Impossível resistir à tentação de comparar as duas versões… e ficar quieto na cadeira.
Primeiro Chuck:
Agora os Beatles (Ringo Starr estava doente e Jimmy Nicol o substituiu em alguns shows):
Mais tarde, quando os Beatles já eram muito famosos, John Lennon disse que Chuck Berry era um de seus heróis. E, com certeza, era mesmo. Basta ver a alegria com que dividiu o palco com ele, cantando Johnny B. Goode. Como bônus, uma Yoko Ono agitada, surrando um pequeno tambor. Veja o vídeo:
Cinema – Chuck também influenciou o cinema. Roll over Beethoven foi tema no filme Beethoven, sobre aquele enorme cão São Bernardo. Johnny B. Goode também fez parte da trilha do primeiro filme da série De Volta para o Futuro. Nele, o ator Michael J. Fox interpreta o jovem Marty McFly que, sem suas viagens pelo tempo, toca a música em um baile, acompanhado pela banda de um certo Marvin Berry, suposto primo de Chuck Berry. Veja o vídeo:
Homenagem – Em 1986, Keith Richards, dos Rolling Stones, quis comemorar os 60 anos de Chuck Barry e dar-lhe um presente. A iniciativa resultou em dois concertos no Fox Theatre, em St. Louis, e em um documentário lançado em DVD, em 1987, intitulado Heil, Heil, Rock’n’Roll. O filme é uma espécie de viagem pela vida musical de Chuck, com lances hilários e outros nem tanto, mostrando, às vezes, um artista sensível, e, outras, um cabeça dura intratável. Dos shows participaram nomes como Linda Ronstadt, Eric Clapton, Robert Cray, Etta James, Johnnie Johnson, Steve Jordan e Julian Lennon.
Ricardinho – Em 1957, o álbum Here’s Little Richard é lançado nos Estados Unidos e uma de suas músicas logo faz sucesso. Long Tall Sally mostraria ao público um cantor no mínimo polêmico. Espalhafatoso para uns e genial para outros, Little Richard, a bem da verdade, sempre foi autêntico. Sua postura ousada para a época, seu piano martelado e sua voz selvagem deram a ele uma certa medida de sucesso, logo copiada por outros artistas e, entre eles, mais uma vez, os Beatles. É só comparar Long Tall Sallyinterpretada por Richard e, depois, na voz de Paul McCartney, num cover estupendo.
A versão original, em filme de 1956:
Agora os Beatles, em 17 de junho de 1964, ao vivo, na Austrália, com invasão de palco no final:
Buddy – Apesar do rosto de menino, com seus óculos grandes, Charles Hardin Holley, ou Buddy Holly, é outro vovozinho do rock. Na verdade, uma fatalidade não permitiu que ele envelhecesse. Buddy morreu aos 23 anos, no dia 2 de fevereiro de 1959, em um acidente de avião. Seu sucesso limitou-se a um ano e meio, se tanto. Mesmo assim, seu legado é importante e inspirou vários outros cantores e bandas. Sim, os Beatles entre elas.
Há quem considere Buddy Holly a mais marcante referência dos primórdios do rock. Tanto que o acidente que o matou (nele morreram também os cantores Richie Valens, de La Bamba, e J.P Richardson, de Chantilly Lace) passou a ser chamado de The Day the Music Died/O Dia em que a Música Morreu). Hoje a Buddy Holly Educational Foundation, idealizada por sua viúva, Maria Elena Holly, tem a missão de preservar o legado de Buddy e oferecer educação musical aos jovens. Entre os cursos ministrados estão os de composição, produção, arranjo e orquestração.
Em 1º de dezembro de 1957, Buddy Holly and The Crickets, tocaram That’ll Be The Day, no Ed Sullivan Show, em Nova York, onde seis anos mais tarde, no dia 7 de dezembro de 1963, os Beatles seriam apresentados ao vivo para os Estados Unidos. Antes disso, porém, no dia 14 de julho de 1958, John, George e Paul, ainda na banda The Quarrymen, gravaram essa mesma música em um gravador de som rachado, no Percy Phillips’ Studio, em Liverpool.
Vale a pena ouvir as duas versões.
Com Buddy Holly:
Com o que viria a ser os Beatles:
Para o alto e além – Não fossem os vovôs do rock e o gênero musical que conquistou boa parte do planeta estaria hoje restrito a um pequeno número de apreciadores, provavelmente marginalizados culturalmente. Como a diversidade nunca esteve tão em alta, felizmente o rock se firmou e até já venceu a força da gravidade.
Quem sabe, num futuro distante, algum extraterrestre tope com uma das duas sondas Voyager e decida ouvir o conteúdo de seus discos de ouro em alguma vitrola sideral. O ET vai se deparar com 115 imagens e sons naturais tipicamente terrestres como trovões, vento, ondas do mar, cantos de pássaros, de baleias e saudações em 55 idiomas. Ouvirá falatórios de um ou dois políticos e músicas, do clássico ao popular. Entre elas, Johnny B. Goode, com Chuck Berry. E talvez o velho Chuck, assim como fez na Terra, ajude a plantar a semente do rock’n’roll em algum outro canto do universo. E, quem sabe, até começar um novo sonho.
CULTURA
Com o álbum “57th & 9th”, Sting deixa o alaúde e retorna ao rock’n’roll.
Está para ser lançado o novo álbum de Sting. O músico inglês, ex-Police, deixa um pouco de lado seus alaúdes e sua vocação para menestrel e retoma sua relação com o rock'n'roll. Gravando em Nova York, ele reuniu um pequeno grupo de músicos e mostra-se preocupado com os movimentos migratórios na Europa e com as mudanças climáticas. Intitulado "57th & 9th", o disco leva o nome de um cruzamento de avenidas em NY.
Carlos de Oliveira
19 Julho 2016 | 19h19
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